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O GAROTO QUE NÃO QUIS ENVELHECER

Uma crônica da cidade, num espaço de vinte anos, que foi a vida de Ademar Fernando Gunsch Gruber II.

Do nascimento ao acidente fatal, um comovente relato do pai e testemunha dos fatos e da história.

 

Testemunha dos fatos e da história - o garoto não quis envelhecer...”

Ademar Fernando Gunsch Gruber IIº

23/10/1985

03/02/2006
[1]

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

Na vida enfrentamos inúmeras situações difíceis. Na infância nossa dependência dos pais e adultos. Na adolescência nossa indefinição nos rumos a seguir. Como adultos as decisões que não podem esperar. Na maturidade a perspectiva de os mais idosos irem-se e nossa própria preocupação com a saúde, o trabalho, o bem estar e felicidade de nossos filhos.

Em momento algum esperamos ou estamos preparados para a perda mais dolorida de um pai, que são os filhos. A parte mais íntima e ligada de qualquer um. O Sangue de nosso sangue, e que sempre é a esperança da continuidade, da perpetuação da espécie, de novas alegrias através da descendência.

Nas próximas páginas, estarei contando uma passagem de vida primorosa, um enlevar de bondade, beleza e alegria, que durante vinte anos, quatro meses e treze dias de convívio, significou luz, alegria, cumplicidade e muito amor na vida de todos com quem teve contato.

É um pouco da história do jovem ADEMAR FERNANDO GUNSCH GRUBER II, o Ademarzinho ou Dekão, o garoto que não quis envelhecer que como num sopro de brisa, deixou-nos no plano terreno e hoje nos olha e acompanha do alto.

 

 

 

 

                                            O  PAI

                        Ademar Fernando Gunsch Gruber – XICO

 

 

 

 

 

 

O garoto que não quis envelhecer 1

O DIA

 

O dia amanheceu com um céu claro e o sol logo ficou escaldante, parecia que era especial. Notei como nunca tinha notado que os pássaros faziam verdadeira festa no terreno da vizinha Lucia Góes, a cachorra “Fugitiva” latiu alegre, abri o portão e o seu Vicente Miranda, vizinho da frente todo alegre cumprimentou-me, perguntando:

- Estou sabendo que o dia é hoje, vou querer tomar o mijo.

Não respondi, sorri e acenei, só então caiu à ficha, o dia realmente era especial, estava marcada a cesariana da Auxiliadora para aquele dia, seria nosso segundo filho, o primeiro homem conforme a ultra-sonografia. (Na qual não confiava muito)

Funcionei minha moto (Como era Yamaha com motor de dois tempos eu sabia que acordava a todos os vizinhos com o barulho, por isso só a funcionava fora do portão e na saída para o trabalho.) Eram 06h30min da manhã.

Dei a volta no quarteirão, parei em frente a casa da Dona Gracielle, mãe da Auxiliadora e minha sogra, acelerei a moto e a Maria gritou:

-Espera um minuto, ele está saindo do banheiro.

Quase imediatamente a porta da frente abriu e o Sidney saiu com um pão inteiro numa mão, a agenda na outra, subiu na garupa da moto, sério e calado e fomos embora para a Safrita, empresa que eu na época dirigia.

 

A ÉPOCA

 

Era o ano de 1985 e no inicio, havíamos passado pela euforia da vitória da chapa  Tancredo Neves – Jose Sarney,  que haviam derrotado á candidatura oficial de Paulo Maluf – Flávio Marcilio no colégio eleitoral por 480 votos contra 180 e 26 abstenções. Vivíamos os primeiros momentos da chamada Nova República.

Também tínhamos passado pela decepção, pois Tancredo Neves, na véspera da posse foi internado e morre sem assumir. Sarney, dissidente do bloco de apoio ao regime militar está na Presidência da República na infância da redemocratização.

 

O LOCAL

 

No interior do estado do Amazonas, na cidade de Maués, tão distante dos centros decisórios era comum ao final da tarde alguns de nós provincianos trocarmos impressões sobre a política nacional. Particularmente havia tido uma breve e ínfima participação na luta contra a ditadura, quando fazia a faculdade de Administração de Empresas na cidade de Frederico Westphalen - no Rio Grande do Sul.

Havia chegado a pouco na cidade, em outubro de 1981, vindo do meu estado de origem Santa Catarina e chefiava a implantação de uma empresa na cidade.

Éramos muitos forasteiros chegados e residentes na cidade, o Nuno Coutinho, um português boa praça, que havia morado nos Estados Unidos, tinha sido rei da noite em Manaus nos primórdios da instalação da Zona Franca de Manaus, tinha a única oficina mecânica de carros e a partir das Sextas Feiras á noite, assumia seu lado festeiro com a melhor casa noturna da cidade, que se chamava palhoça. Havia também os funcionários do Banco do Brasil, como o César, o Nonatinho, o Gumercindo que era o Gerente. No Basa, o Machado, na Emater o Eugênio Borges, técnico de pesca (Sic) da cidade, o Bosco, o Tostão na Cooperativa, o Élson chefe do escritório local. O Roberto Erbs, irmão do Valmor com compra de ouro junto com o Natalino, o Ornam com a granja Carijó, o Randal que além da sociedade no garimpo com seu amigo Macarrão, com o Cléber tinha um Caminhão Chevrolet e transportava madeira em toras para a empresa dirigida por mim. Além claro dos nativos, “com todo o respeito”, como o Babá, o Lulu das Biritas, do Zé Valder que saía do Basa onde trabalhava e nos agüentava no Ponto Chic com uma cerveja gelada. O Aderbal e o Dezinho com suas motos potentes e o Clube do Remo de reboque, o Zanoni Magaldi com seu extenso conhecimento regional e nacional, seus pontos de vista conservadores, suas longas e engraçadas histórias, seu irmão Clarêncio que era mais direto e jogava vôley e futebol de salão conosco, e nestas horas de discussão dos destinos do país, afinal de contas a solução de todos os problemas estavam em nossas opiniões, não faltava a palavra sensata do agente da Taba , Otacilio Negreiros e a opinião geniosa do então vereador Vanildo  e a gozação típica do Edson, que brincava com a situação de ser irmão do Prefeito Edílson Negreiros e ás vezes ser mais popular que ele.

Algumas vezes acompanhado do Aderbal também aparecia o Luiz Canindé, que sempre com a cara fechada, tinha pouco tempo para estas conversas, sempre tinha algo urgente por fazer, ou na Padaria, nos guaranazais ou então nas fazendas de gado que começava a implantar junto com seu pai.

Nesta época, ouvíamos a Rádio Nacional da Amazônia e Difusora de Manaus, na televisão vinham às fitas no avião da Taba (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica – já extinta) às vezes com uma semana de atraso, o Jornal Nacional servia apenas para confirmar a noticia e tirar algumas dúvidas de apostas que fazíamos.

Este dia, porém transcorreu rápido, sem perceber já era cinco da tarde, liguei para casa a Auxiliadora estava bem, nervosa, mas bem. Fui até a casa de meus pais, o velho Gruber como eu o chamava, lá chegando ele levou-me até o freezer e mostrou um garrafão de vinho, que havia vindo da colônia no sul e disse-me:

- Avise-me quando o piá nascer, este vinho é para o herdeiro, não vá me aparecer com uma guria, este tem que levar o nosso nome pra vante.

-Tudo bem, não é possível que os exames dêem errado - respondi. (mesmo em dúvida não poderia deixar transparecer a ele minha preocupação.)

Nisso chega a Sibila (Minha irmã) com o Luiz Lauschner (Meu cunhado) com as sobrinhas Indianara e Tanara, na Brasilia da firma e logo foi perguntando:

- E aí, é hoje mesmo, que nasce o guri ?

- Vai depender do Dr. Jorge - Respondi brincando.

(Dr. Jorge que anos mais tarde foi vereador na mesma legislatura que a minha, era o mais conceituado cirurgião do interior do Amazonas de quem na época contavam-se verdadeiras epopéias e milagres que ele havia feito.)

Tomamos alguns chimarrões, ”proseamos um pouco” como sempre falava a Dona Ana (Minha mãe) e um pouco tenso fui para casa.

 Lá chegando, encontrei a Maria (Irmão de criação da Auxiliadora), a Cilica (Esposa do Dr.Joaquim e filha de um dileto amigo meu “seu” Tobias Boanerges Picanço de Araújo), além é claro da onipresente Rosilda Michiles, todos terminando de arrumar as tralhas que iriam junto com a Auxiliadora para o hospital, ao cumprimentá-las, Sharon , nossa filha, escutou minha voz e veio correndo e jogou-se em meus braços gritando:

- Papai, papai eu posso ir junto com a mamãe?

- Não minha filha, você vai ficar com a vovó Gracielle, que a mamãe amanhã já volta para casa. Respondi, pegando-a no colo.

- É verdade que ela tem um irmãozinho na barriga?

- Tem sim e amanhã você vai visitá-lo. Disse.

Ela respondeu, num muxoxo;

- Ta bom... Mas você vai continuar gostando de mim, não vai papai?

- Claro. Você é o tesouro do papai: Respondi

Ela abraçou-me carinhosamente, se desvencilhou de meus braços e correu em direção da Beti (Filha da Maria) que vinha chegando pelo quintal da casa, gritando:

- Eu vou ter um irmãozinho, eu vou ter um irmãozinho, viu Beti. Gritou ela antes de se jogar no pescoço da mesma.

 

 

OS PREPARATIVOS

 

Às 18h30min horas, já com a bagagem no Fusca, com cuidado pelo tamanho da barriga, levamos a Auxiliadora até o carro, com tudo pronto na hora de dar a partida, chegou correndo a Marica (Conceição Cavalcante amiga da Dona Gracielle e Diretora da Unidade Educacional da cidade e chefe da Auxiliadora que trabalhava no setor de pessoal do Colégio Estadual, hoje Escola Profª. Maria da Graça Nogueira) e nos perguntou:

- Posso ir junto, eu quero assistir o parto de cesárea.

- Claro. Respondi antes de a Auxiliadora entender o que estava acontecendo. Seria uma pessoa a mais para acompanhar-me na sala de cirurgia, estava um tanto temeroso, havia assistido o parto da Sharon e achei de uma beleza ímpar, pois era a manifestação da natureza, só que o parto havia sido normal, cesariana é um ato cirúrgico, tinha as minhas restrições, porém era o recomendado pelos médicos.

Fomos ao hospital, lá chegando já estavam a nossa espera a Sibila, Claire (Minha irmã mais nova) e monte de amigas da Auxiliadora. Assim que descemos do carro, várias enfermeiras capitaneadas pela Dorita levaram a  Auxiliadora para prepará-la enquanto me acalmavam.

Ás 19 horas esbaforido como sempre, falando alto com todos, chegou o Dr. Jorge e já foi pedindo onde estava a paciente e se a mesma já estava preparada. Responderam-lhe que sim e todos entram na sala de cirurgia.

O NASCIMENTO

Não lembro quem estava com uma filmadora, ao meu lado num canto da sala, na penumbra das luzes que focavam a barriga da Auxiliadora, Marica e eu estávamos suando, tensos. Dr. Jorge com sua habilidade e conhecimento parecia-nos um General traçando a estratégia da guerra, todos corriam á sua volta, as enfermeiras sussurravam a única voz que se ouvia, era das instruções que ele dava.

Vimos a paciente ser anestesiada, ficar grogue, quando uma voz de barítono nos assustou;

- Bisturi!

A enfermeira alcançou a ferramenta, e com uma toalha verde cobriu parte da barriga da Auxiliadora, outra enfermeira passou um liquido marrom por toda a extensão, outra estava a postos com gaze e uma bandeja cheia de instrumentos. Era um quadro assustador, com uma incisão rápida Jorge faz um corte de aproximadamente 10 cm na barriga da paciente. Absortos ficamos estáticos assistindo, a pele se abre, uma camada de gordura de um dedo de grossura aparece, então começa a sangrar, ele põe a mão na incisão, retira-a e pede novamente o bisturi, faz mais dois cortes na extremidade e comenta com uma auxiliar;

-Caramba! O moleque é grande mesmo!

Com o auxilio de uma enfermeira retira a criança, vermelha, lambuzada, ela é grande pesa 5 kg e mede 53 cm, ele volta-se para onde estamos e sorridente diz:

- É macho, mas do saco vermelho.

Tonto e desorientado não sei o que fazer, quando um choro fraco, uma tosse e um berro tiram-me do estupor era o Ademarzinho anunciando de viva voz que estava entre nós, viro-me para a Marica e vejo lágrimas escorrendo de seus olhos, os meus estavam marejados, corro atrás das enfermeiras quero ver o meu filho.

Lá estava o curumim, rosto bochechudo, pele alva e avermelhada, pernas grossas, um bebê de revista – lindo.

Vou até o hall de entrada, todos estão lá, Claire, Aderbal, Maria, Sergio Mazzini, Baía, Beti, Lauschner e sua troupe inquieta, todos alegres e animados com o nascimento do Ademar, que nem todos sabiam que este seria o nome,

A Claire lembrou que naquela noite, a Rede Globo estaria apresentando a final do Festival dos Festivais e a música favorita cantada por Tetê Espíndola era “ Estava escrito nas estrelas”, e que no dia seguinte ficamos sabendo ter sido a vencedora, pareceu-nos uma boa mensagem para o recém nascido.

No dia seguinte, as primeiras horas da manhã, estava em frente ao Cartório da Claudete (único da cidade ) para registrar o rebento, e o nome foi o mesmo que o meu, representando o ADEMAR do pai, FERNANDO dos dois bisavós paternos e GUNSCH GRUBER sobrenomes de origem germânica da família acrescidos do número dois (II) em algarismo romanos, para diferencia-lo do meu, e na brincadeira representar a dinastia que ora se iniciava..

 

            OS PRIMEIROS PASSOS.

O ano de 1986 foi atípico politicamente, se no ano anterior havia tido as eleições diretas para Prefeito da Capital, este seria o ano das eleições estaduais. Gilberto Mestrinho governador do Amazonas havia pavimentado a candidatura de seu Vice Manoel Ribeiro, para sucedê-lo, porém este havia sido eleito Prefeito de Manaus. O pretenso líder da oposição que havia perdido a eleição ao Governo, Josué Filho sumira. Os deputados todos afinados com o governo se aproximaram do ex Prefeito nomeado de Manaus Amazonino Mendes, que num gesto audacioso e um tanto temerário atropelou a todos os pretendentes e colocou sua estrutura na rua com o “Até breve Amazonino!”. Artur Neto, eleito Deputado Federal em 1982, com atuação destacada no Congresso Nacional também pleiteava a vaga, quando viu que seria engolida pela máquina montada pelo “negão”, saiu do PMDB, entrou no PSB e fundou um movimento popular denominado MUDA AMAZONAS, candidatando-se ao Governo do Estado.

Maués, com larga tradição política através das famílias MICHILES e NEGREIROS-ESTEVES, vivia uma situação insólita – adversários ferrenhos em nível local são aliados do Governo. (Qualquer governo), por isso os caciques e líderes naturais da região estavam aliançados com o candidato Amazonino Mendes, restou a ARTUR NETO a jovem liderança estudantil chefiada por Sidney Leite e seus jovens escudeiros.

Naquela época as eleições ainda eram realizadas em 15 de Novembro, data da proclamação da República, antes disso, porém, nos preparativos para o único comício que o Candidato Artur Neto realizou em Maués, Sidney havia conseguido conquistar inúmeros adeptos à causa, o Lauschner no apoio logístico, o Natalier (Comerciante cearense assassinado em 1999) com sua pick-Up, a Ana Sakyama nos contatos diretos e na entrega do jornal, o Amedeu, o Wladimir Rossy, o Tapiú, o Aldevio Serra e tantos outros que se integraram a um verdeiro exército de brancaleone, eram verdadeiros Davis enfrentando os Golias da política local.

Em minha opinião, nem os próprios acreditavam no resultado que conseguiram. Uma vitória indiscutível da Oposição em Maués, e, pela primeira vez na história republicana.

Nestes preparativos havia cedido a garagem de minha casa para que pintassem as Faixas, placas e cartazes que seriam utilizados no Comício, Ademarzinho ás vésperas de completar um ano, ficava entre o Simão Rocha, Bandaca, Zé Luiz, Belecho, e os outros, quando pisou numa bandeira recém pintada e o Luizinho (Pedagogo e ex-Gerente do Bea e Banco do Povo) gritou:

- Ei garoto, Cara de Anjo, cuidado que esta bandeira é importante!

Comentando logo a seguir com seus companheiros, das diabruras e estripulias que o Ademarzinho aprontava e ficava com o rosto mais meigo e inocente do mundo, como se não havia sido ele.

Esta característica de tentar demonstrar que não era com ele Ademar levou em toda a sua venturosa vida. Em seus últimos dias, morando comigo, quando aprontava, disfarçava, saindo de fininho, assobiando e sorrindo marotamente. Logo sabíamos que havia sido ele...

No final de 1987, Ademarzinho participou de uma verdadeira aventura continental da família, com um Chevette á Álcool, Auxiliadora, Eu, Dona Gracielle (Sogra) Cica (Babá) Sharon com 4 anos e ele com 2 anos de idade, saímos de Maués todos embarcados no Barco Amaral Filho, em Manaus no Porto da Ceasa atravessamos de Balsa para o Carreiro da Várzea e dela enfrentamos os aproximadamente 1.000 Km com travessias em balsa e pontes feitas de troncos e uma estrada acabada até Porto Velho-RO, passando por Humaitá onde pernoitamos.

Na Capital de Rondônia nos encontramos com o Bonifácio Rausch e sua esposa, ele havia trabalhado em Maués como engenheiro, e ambos havíamos vindo de Itapiranga –SC.

De Porto Velho fomos ao Sul do Brasil, passando por Cuiabá, Campo Grande onde visitamos minha irmã Mareli, seu Marido Sérgio Sangalli e os dois filhos Tatiane e Ticiano, até São Miguel do Oeste em Santa Catarina, na casa de outra irmã Odila e sua família, o marido Hugo Lang,, o filho Robert Mauro, minha afiliada Raquel e a Caçula Rosaline.

Quando estávamos nas Cataratas do Iguaçu, resolvemos atravessar a Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai, na época a hoje Cidade del Leste, chamava-se Puerto Stroesner, atravessamos a pé e fomos ás compras, no retorno enquanto observávamos a altura da ponte sobre o Rio Paraná, notei que um guarda (Gendarme) paraguaio estava inquieto e murmurava palavras no dialeto guarani, como havia um proteção da ponte somente aparecia seu corpo da cintura para cima, ao me aproximar qual não foi minha surpresa ao encontrar o Ademarzinho fazendo pipi no coturno do Soldado e este agoniado com a situação nada podia fazer com uma criança de dois anos.Então chamei-o:

- Ademar, o que você está fazendo, venha já para cá!

Ele respondeu som um sorriso maroto:

- Mijei no pé da estátua e ela se mexeu, até parece um homem, mas é tiquitito e feio, né papai.

Constrangido sorri e desculpei-me com o guarda, que sem nada poder fazer deu de ombros, acabrunhado.

Em Santo Ângelo no Rio Grande do Sul, um encontro histórico vó Oma (Mãe de minha mãe) com seu bisneto, á noite fomos assistir ao espetáculo de Som e luzes nas Ruínas das Missões de São Miguel o Ademar parecia viver o espetáculo, pois assistiu compenetrado o detalhe da história da expulsão dos índios Guaranis e dos Padres espanhóis pelos portugueses.

Nesta viagem onde de carro, quatro adultos e duas crianças fizeram mais de 10.000 Quilômetros, não tivemos nenhum problema com as crianças, que pelo contrário gostaram e se divertiram a beça, o Chevette, porém, este teve que vir de Balsa de Porto Velho á Manaus com o motor literalmente estourado, e nunca mais andou legal, até vendê-lo.

Já em Maués, outro fato marcante da vida dele, Cica a babá era de Boa Vista do Ramos e foi visitar seus familiares, o Ademar era tão ligado a ela que toda a tarde tinha febre e chorava de saudades, assim que ela chegou foi só alegria.

1988 – O ANO DAS MUDANÇAS GERAIS.

O clima de insatisfação popular é latente em toda a região, a instalação da Assembléia Nacional Constituinte deu um novo animo a todos. A escolha do Deputado Bernardo Cabral para relator massageou o ego de todos nós. Ao mesmo grupo que havia apoiado Artur Neto juntaram-se figuras exponenciais da cidade, enquanto na Câmara de vereadores sucediam-se escândalos do Ratinho, da Lenise e de outros, a sociedade civil se organizava através da Associação Comercial e Industrial de Maués que passa a discutir soluções para os inúmeros problemas emergentes na cidade.

Este novo fórum, não tem o caráter político partidário e tampouco as benções dos políticos tradicionais, por isso passa a ser o interlocutor de novas idéias e ações.

Fruto principal destas articulações é a aliança entre a candidatura popular de Luiz Canindé e Beto Mafra com a família Michiles, e o apoio ostensivo do patriarca Darcy, que na composição se sujeita a ser candidato a Vereador, do apoio de sua esposa a então Senadora Eunice e do Deputado Estadual Humberto Michiles, contra a oligarquia dominante que tem como candidato Carlos Esteves e como vice o Dr.Jorge Brito.

Como havia tido participação ativa na política estudantil no sul do Brasil e tendo acompanhado a trajetória de meu pai, que sempre esteve envolvido com ela, achava estar vacinado e, portanto minha participação seria meramente patriótica. Ledo engano, um grupo de amigos e conhecidos convenceu-me a candidatar-me a vereador, na estrutura que havia sido montada para o jovem Sidney Leite.

Inicia-se a campanha e logo no primeiro comício do candidato Luiz Canindé, ao lado do Praia Hotel, ao soltar os fogos de artifício, Sidney sofre queimaduras terríveis na mão e no antebraço direito, Ademar achava bonito a mão do tio quando enfaixada, com dois ou três dias, não agüentando a dor, Sidney tira as ataduras e uma mão disforme, preta, carne viva aparece.Esta imagem um tanto macabra acompanha ao moleque e em qualquer situação ou acidente sempre comparava e nos dizia, - Está feio, mas melhor do que a mão do tio Sidney. (E foram inúmeros os acidentes e escoriações que sofreu)

O impressionante é que com remédios caseiros e naturais Sidney curou sua mão e não ficou nenhuma cicatriz da terrível queimadura que havia sofrido.

Este movimento popular ganha a eleição, quebrando uma escrita de vinte anos, na Câmara de Vereadores elegem-se Darcy Michiles, Eu, Aderbal Dinnely, Darcy Correa Marinho, Mario Lopes e Alfredo Almeida, a agora oposição elege Ornam Alencar, Said Junior, Marco Magnani, Geraldo Magela e Cleonildo Alves.

 A ALFABETIZAÇÃO

Em primeiro de janeiro de 1989, inicia-se um novo governo municipal com o slogan de “Novo Tempo”, na Câmara iniciamos os movimentos iniciais para a elaboração da Lei Orgânica Municipal e das demais leis complementares que até hoje são a estrutura de funcionamento do Poder Legislativo.

È o ano em que Ademarzinho inicia sua alfabetização, no jardim de Infância da Professora Jandira Mcomb e faz amigos que o acompanhariam por toda a vida.

Ele esforça-se ao máximo, odiava quando a irmã Sharon lia frases completas e o olhava para ele com superioridade, o fato de não saber ler lhe incomodava.

Ademar também se indignava por ainda não ter sido batizado, é que pela amizade que tínhamos com o então Prefeito de Manaus - Artur Neto, que no final deste ano sem avisar a assessoria nos visitou em Maués, na acredito primeira viagem com a Goreth Garcia, atual esposa dele. Ficou na nossa casa e na do Chiquinho Benchaya, e tínhamos o compromisso de ele ser o padrinho do Ademar, o que infelizmente não aconteceu apesar da grande admiração que teve pelo Artur a ponto de a noite assistir a TV senado para acompanhar seus discursos.

Malogrado nosso apoio a candidatura ao Governo de Wilson Alecrim em 1990 e vitoriosa novamente a candidatura de Gilberto Mestrinho, vamos novamente ao sul, desta vez de maneira diferente. Primeiro de avião até Cuiabá, onde nos encontramos com Carlos Roberto, marido de Celeste irmã da Auxiliadora e, portanto meu cunhado.

Vamos com seu carro até São José do Rio Claro, no norte do Mato Grosso, mais de 200 km estrada de terra, ficamos alguns dias com eles, revendo a Carla, o Junior e o Bibi que tinha alguns dias de diferença de idade do Ademarzinho.

Carlos nos empresta um Fiat Tipo e refazemos parte da viagem feita dois anos antes de Chevette, desta vez entramos em Ponta Porã/Pedro Juan Cabalero no Paraguai e saímos em Foz do Iguaçu no Paraná, de lá fomos até Dionísio Cerqueira - Santa Catarina onde entramos na Argentina em plena campanha de reeleição de Carlos Menem, visitando algumas cidades.

Nesta viagem pelo sul, Ademar começa a mostrar o seu lado introspectivo e detalhista. Tudo era novidade, porém precisava conhecer pormenores da historia da região, de sua colonização, livros escritos, filmes feitos, enfim tudo que se relacionasse com o local onde visitava.

Esta particularidade, o gosto pela leitura e pela história aproximou-o da Tia Odila que como professora a vida toda, via nele não um sobrinho, mas sim um ouvinte atento e inteligente.

No retorno vamos a São Paulo para uma visita ao casal Rudi Braz Goerck e Irmgard Giehl Goerck, que conheci em Itapiranga-SC onde eram os donos da Safrita (S/A Frigrifico Itapiranga) e responsáveis por minha ida à Amazônia e amigos de toda a vida.

Em Maués, um incidente que nos surpreenderam a todos, Ademar pede para sua irmã Sharon lhe dar uma cacetada na cabeça, esta não titubeia e o acerta na fronte esquerda, um corte e um espirro de sangue assusta aos dois, que aos gritos chamam a atenção da Auxiliadora, que me liga, venho ás pressas e no hospital já com o curativo, pergunto:

- O que foi isso meu filho? Você está doido, aonde já se viu uma coisa dessas?

- É que tinha lição de casa e eu esqueci, então precisava de um motivo para não ir à Escola, só não achei que fosse doer tanto... -Respondeu-me ele com a cara mais inocente do mundo.

Ao chegar em casa chamei a Sharon e com toda a calma expliquei que nem tudo o que se pede, se pode fazer, ao que ele retrucou:

- É então experimente não fazer as coisas para o Ademar, ele é mais forte do que eu e é o filhinho da mamãe. Ta sempre certo.E a mamãe disse que eu como mais velha tenho que fazer todas a vontades dele.Eu fiz...

No final deste ano elejo-me Presidência da Câmara de Vereadores para o Biênio 91/92, e neste ato, um fato interessante, antecipadamente havíamos composto a nova diretoria da mesa da Câmara, com o Mario Lopes sendo primeiro vice-presidente, no dia da eleição em 1º de Janeiro de 1991, os Vereadores Alfredo e Darcy Correa não votaram, se a oposição tivesse apresentado chapa teria ganho a eleição. Marcada nova eleição a oposição apresenta chapa tendo na cabeça o Mario Lopes como presidente, na votação estava empatado com cinco votos para mim e cinco para ele (A Câmara possuía 11 vereadores) e o último a votar era ele, estava tranqüilo por que sabia que o Mario Lopes por toda a sua vida havia sido um homem de princípios e de palavras e não foi diferente nesta vez, ao manter a palavra e votar em minha chapa. (Na legislatura seguinte também mantive a palavra e o elegemos presidente da casa).

 Ademar e Sharon já estudam na Escola Adventista, num certo dia vou apanhá-los e fico esperando a Sharon aparece logo, pergunto pelo Ademar e ela diz que não o viu, peço para ela procura-lo, ela retorna dizendo que não havia mais ninguém na sala dele.

Preocupado, desço da moto e vou á Diretoria da escola, ao abrir a porta, dou de cara com ele e mais três coleginhas fazendo exercícios e a Diretora Jane a observa-los, ao ver me ela mais que depressa se justifica:

- Eles aprontaram muito hoje, e como castigo estão antecipando lições. Estavam simplesmente impossíveis. Diz-me ela.

Com o semblante sério, mas me segurando para não rir, peguei-o pelo braço e levei para casa. O olhar envergonhado dele e a maneira como agiu, sabendo-se culpado marcou-me para sempre. Ele reconhecia o erro e sabia o quanto eu não gostava de mentiras. Talvez por isso nossa relação sempre foi de extrema confiança, e sempre me contava o que fizesse, mesmo que errado, nunca nos escondeu nada.

Por fatos assim tanto eu como Auxiliadora e quem mais o conheceu, sabia que sempre poderiam contar com sua sinceridade, confiança e discrição.

1991, foi um ano de muitas ações, por insistência do Sávio Leite, assumi a presidência da GRES “Em cima da Hora” (Escola de samba do Bairro da Maresia) e com muitos bravos companheiros iniciamos um trabalho dedicado para se conseguir ganhar o carnaval, é que no ano anterior por inúmeros problemas com os integrantes a escola perdeu o carnaval ,se dividiu, surgindo momentaneamente a Escola de Samba Mundurucânia.

Com a abnegação do Dr.Vitor da antiga Samasa, hoje Ambev, Da Maga, do Xeco, da Nazaré Afonso, do Afonso – Ratinho, do Percilio da Ceam e sua esposa Ana, da Bolacha, da Edilene e de tantos outros, conseguimos montar uma estrutura e sermos vencedores.

Pela função necessitava estar nos ensaios, e neste o Ademarzinho era freqüente, tanto que vivenciou um momento hilariante. Como a escola homenageava o Preto que havia sido o fundador do boi caprichoso e havia uma ala de crianças índias o Ademar nela estava inscrito, ao aprontar as fantasias e vendo que teria que vestir um tanguinha com penas multicoloridas ele logo refugou dizendo:

- E, pera aí, eu não vou usar isto daí não! Eu sou é macho, não saio com isto nem que a vaca tussa.

E o jeito encontrado foi ele sair na ala do “Anselmo” vestido de pescador e que acabou sendo uma das mais bonitas.

Como também acumulava a Presidência do União Esporte Clube, que na época era o clube com a maior torcida da cidade, Ademar e Sharon acompanhavam-me ao estádio, eram ambos os mascotes do clube.

Nesta época aconteceu uma situação interessante comigo. Havíamos feito uma festa na sede social do União que terminou por volta de 4:00 horas da manhã, ao ir para casa na Rua Batista Michiles,esquina com a Mendes Guerreiro, noto que o Pneu traseiro da moto está vazio, paro, desço, abaixo-me para olhar ao levantar-me – o susto, estou cercado por uma galera de mais de 10 adolescentes, alguns com terçados outros com pedaços de pau, encaro-os quando um deles me reconhece e grita com os colegas:

- Parem, parem, é o “seu Xico” presidente da nossa escola.

Pergunta-me então o que havia acontecido e digo-lhe que pneu estava furado, aí todos passam a auxiliar-me empurrando a moto até minha casa, a três quarteirões dali. Deste dia em diante todos passaram a ser uma espécie de guardas de todos lá de casa, e o Ademarzinho logo se transformou no xodó deles, sendo que alguns aprumaram-se na vida e são amigos até hoje.

Como venerável da Maçonaria, da Loja Hamilton Mourão, por influência e coordenação do Irineu Carneiro Gomes foi feito a primeira adoção de Lowtons(Uma espécie de batizado para crianças na maçonaria) Ademar foi um dos inscritos e o seu padrinho foi Jose Ribamar Cavalcante – O Ribamar da Embrapa a quem sempre teve respeito e amizade muito grande.

Neste período as atividades por mim exercidas deixavam pouco tempo para passar com meus filhos, muitas vezes ao chegar à noite estavam dormindo e ao sair de manhã também.

 

A PRESENÇA DE ESPÍRITO

Como tínhamos um terreno no Igarapé do Piramiri no Rio Popunhal, quando necessitava ir ver o Guaranazal ou então levar mantimentos para o Kazuo Kuryama era comum leva-los junto. Numa destas oportunidades estávamos na lancha, o William, seu pai Luiz Lauschner e o Ademar, ao contornarmos a Ponta da Maresia, quando o Lauschner agoniado gritou:

- Pare a voadeira, é um caso de vida ou morte, pare!

Assustado, diminui a velocidade, desliguei o motor e quando ia perguntar o que havia acontecido, este já havia pulado na água, a lancha ainda deslizou mais alguns metros, e percebi que o caso grave do Luiz nada mais era do que necessidade de evacuar. (Dar uma boa cagada no popular).

Terminada a função recomeçamos a viagem, com mais ou menos cinco minutos, perto do furo do Igapó, Ademar que estava no banco do timoneiro comigo reclamou:

- Puxa papai, o tio Lauschner deu a cagada, mas o cheiro continua.

Olhei para o Luiz para ver se ele havia escutado o moleque e qual não foi minha surpresa ao ver um torrão preso em sua nuca, esta havia boiada e se fixado no local, motivo principal do cheiro. Rindo todos pulamos nas águas límpidas do Rio Maués para nos banhar. Foi um momento engraçado e ao mesmo tempo mostrava o lado irônico e espirituoso de meu filho.  

Na Câmara começamos a discutir a estruturação da Comissão Municipal  de defesa de criança e do adolescente com a participação efetiva do então Juiz da Comarca Dr,Flávio Humberto Pascarelli e dos Promotores Takeda e Himenez.

Em reunião com diretoras de escola procurou-se conveniar com a Universidade de São Paulo para acompanhamento do aluno bem dotado, e que infelizmente não aconteceu, pois o programa da Universidade não encontrou o apoio desejado.

Na parte administrativa iniciamos os preparativos para a realização do primeiro e único Concurso Público para os funcionários da casa.

Com a participação do Prefeito Luiz Canindé, a nossa gestão realizou o 1º EMPROR – Encontro Municipal de Produtores Rurais, com convidados de Manaus e região, que marcou o inicio de uma ação dirigida ás necessidades levantadas pelos próprios produtores e não  mais imposta como era comum.

                        Num destes dias estava numa reunião de avaliação com os colegas vereadores quando uma ligação interrompeu para avisar-me que ele havia caído e estava no hospital. Corri para lá, na queda havia fraturado a clavícula e já estava todo garboso na expectativa de as enfermeiras assinarem o nome no gesso que cobria seu ombro.

 Como tinha uma ligação de afinidade muito grande com a Beti e principalmente com a Maria, decidimos que esta seria a madrinha, juntamente com o Tio Aderbal como padrinho.

 

O PRIMEIRO CACHORRO – BRUNO

Mais ou  menos nesta época, nossa cadela chamada de “fugitiva” e que já estava muitos anos conosco foi doada para o Miguel irmão da Maria e que morava em frente a Comunidade da Ponta Alegre no Rio Apoquitaua e compramos um cachorro de raça para substituí-la, Ademarzinho logo o chamou de “Bruno”, o cachorro morreu muitos outros vieram e todos chamados de “Bruno”. Da mesma forma um pequeno Jabuti que ele havia ganhado de um madeireiro a quem chamou de “Turenko” e enquanto o teve, assim o chamava.

Em 1992, os remanescentes de 1986 da memorável campanha do Muda Amazonas,  e da eleição de 1988, iniciam as articulações para a sucessão do Prefeito Luiz Canindé. Humberto Michiles, deputado Estadual decide ser o candidato a Prefeito para poder realizar o sonho do pai que não havia sido, restava-nos a condição de vice na chapa majoritária, muitos nomes foram sondados, porém prevaleceu o compromisso assumido e Sidney Leite compõe a chapa, e ganham a eleição. Reelejo-me vereador.

Nesta campanha Ademarzinho já participa, está em todos os comícios da cidade e acompanha-me em algumas viagens pelo interior.

Mais tarde é protagonista de uma situação engraçada junto com os seus primos Tiago e Cássio. Estávamos no Rio Paraconi, e ao entardecer junto com o Ezer, paramos na residência do senhor Salustiano, um paraense de boa cepa e que como madeireiro tínhamos contato freqüentes.

Os moleques brincaram até tarde e por solicitação da esposa do Saluca como o chamávamos, pediu para os garotos ficarem na casa, nós adultos iríamos dormir numa cabana ao lado do motor de luz.

No interior se dorme cedo, às nove horas o silêncio era total e todos estavam recolhidos em nossas redes, quando acordamos com gritos e uma correria enorme das crianças, fomos até a casa e já encontramos o Saluca e sua esposa com uma lamparina, enquanto o Cássio e o Tiago gritavam que havia um Javali embaixo da casa. Ademar de tão assustado nada falava. Preocupados com o barulho e não com o animal que não existe no Amazonas, olhamos embaixo da casa e um cachorro magro e esquelético saiu tossindo. Saluca olhou e rindo disse:

- É o Totó que se engasgou com uma espinha de peixe. Não precisam ficar com medo.

Entreolharam-se como se combinavam algo e então o Ademar falou:

- Pode não ter sido javali, mas que o bicho era grande, isto era. Papai nós queremos ir dormir com vocês. Estamos com medo.

Assenti e fomos todos nos instalar no barracão, não demorou e todos estavam dormindo.

De manhã, encontramos a lancha que estávamos usando no fundo do rio, um buraco no casco fez com que submergisse. Para que não ficassem assustados, logo chamei os moleques e contei o acontecido, e que iríamos demorar um pouco para sair dali. Qual não foi minha surpresa quando aos gritos correram alegres para o rio, haviam tido mais tempo para brincar na água.

E durante toda a viagem Ademar, Cássio e Tiago em todas as comunidades que visitamos logo faziam amigos e ficavam brincando sem aperrear ou reclamar de nada.

Ao retornarmos para Maués, encontramos três mães agoniadas, Valdiza, Claire e Auxiliadora. Não existia telefone na época, elas, porém já sabiam que a lancha tinha ido para o fundo, não sabiam, contudo que isto havia acontecido num porto e sem ninguém dentro. Mas evidenciou que a fofoca e as noticias ruim são rápidas e ás vezes impiedosas.

Em março de 1994, Humberto Michiles como Prefeito, renuncia à Prefeitura para candidatar-se a Deputado Estadual, Sidney assume como Prefeito e mantém a Auxiliadora como Secretária de Educação do município, uma vez que ele havia sido o titular desta pasta.

Ademar termina seus estudos na Escola Adventista e vai estudar no Colégio São Pedro, sua professora Socorro Libório, esposa do seu padrinho por afinidade Ribamar, surpreende-se com sua simplicidade, e comenta com a Tia Claire: “é incrível a simplicidade do Ademar, enquanto muitos que nem condições têm, não querem usar a conga ganha do governo, o Ademar vai todo o dia e não está nem aí”. A conga em questão era o Tênis enviado pelo Governo Amazonino Mendes para o uniforme escolar e que muitos alunos achavam muito simples e preferiam outros calçados, Ademar pelo contrário gostava por ser um calçado baixo, macio e confortável.

Outra característica sua foi gostar da merenda escolar, nunca queria levar lanche de casa, levava sim o copinho de plástico ganho no inicio do ano e que guardou mesmo depois de der ido estudar em Manaus.

 

A AFIRMAÇÃO DA MASCULINIDADE

Foi nesta época que aos dez anos teve sua primeira experiência sexual, morava conosco uma moça cujo nome por motivos óbvio vou omitir e que era muito ligada a ele e num final de tarde, quando cheguei do trabalho encontei-o perto do portão a me aguardar, logo senti que algo importante havia acontecido para ele estar esperando-me, perguntei:

- E aí, garoto, quais são as novas.

Ele sério baixou a cabeça e senti que estava envergonhado, abracei-o e fui sentar no meio do canteiro central da rua enfrente a casa, dizendo:

- Fale aí, só estamos nós dois e com a gente não pode haver segredo.

Nisto com mais confiança, sussurrando ele disse:

- É que eu estava no banheiro quando a Irene (Nome fictício) entrou no banheiro e começou a me pegar, a gente já tinha feito antes, só que desta vez ela me colocou dentro dela e nós ficamos ofegantes, quando de repente me deu um choque e minhas pernas ficaram bambas e tremendo. Saiu um liquido do meu pinto e doeu, mas foi uma dor gostosa.

Segurando-me para não rir e ao mesmo tempo orgulhoso por esta demonstração precoce de hombridade, abracei-o e falei:

- Que nada garoto, agora você já é homem e daqui pra frente as cunhantãs que se cuidem que o Ademarzinho já está nas paradas.

E não deu outra a partir daí começou a chover na roça do curumim, todas queriam namorá-lo ou então apenas toca-lo.

No principio de 1996, assumi a Secretaria de Obras do município e principiamos uma revolução administrativa na cidade e que no término do governo do Sidney, deixou toda a cidade asfaltada, inclusive o aeroporto e principiado a construção de escolas de padrão nas comunidades rurais além de inúmeras outras que lhe deixaram e título de “Campeão de Obras” que mantém até hoje em sua terceira gestão frente a prefeitura de Maués.

Como em 97 fui impugnado 30 dias antes das eleições, não mais fui candidato a cargo eletivo e com o candidato que apoiávamos, perdemos a eleição para Carlos Esteves e Jamico.

Ainda fiz parte da comissão de transição, apresentando todos os relatórios e levantamentos exigidos por lei, no final do ano fomos todos á Manaus.

Como havia comprado as passagens com antecedência e o carnaval de 98 foi no inicio de fevereiro viajamos para o Rio de Janeiro e ficamos no apartamento do Clelio e da Neca Andrade, tios da Auxiliadora.

 

VIAGEM AO SUL

De cara houve uma identificação entre as gaiatices do Clélio e as peraltices do Ademar, criando um elo de confiança e cumplicidade entre os dois.

Visitamos todos os pontos turísticos do Rio, no pão de açúcar, porém fomos apenas nós dois, e para minha surpresa, logo que o bondinho se afasta do apoio da montanha a impressão que se tem é de literalmente  ficar suspenso, é um susto e temor generalizado, Ademar divertiu-se, divertindo a todos os adultos por que vibrou como se estivesse numa roda gigante, num parque de diversões.

Em São Paulo fomos até o Pesque e pague do casal Rudi Goerck, que fica na Rodovia dos Imigrantes, numa antiga pedreira. Logo ao chegar Ademar conquistou a todos com sua alegria, estava anoitecendo e logo Rudi fez os preparativos para um churrasco de boas vindas, ao cortar uma carne, pediu ao Ademar que segurasse numa das pontas da carne, ao que este retrucou:

- Devagar tio, o senhor pode me cortar.

- Que nada, fique tranqüilo, a faca está comigo – Retrucou Rudi;

- É aí que mora o perigo, por ela estar com o senhor...

Todos caem na risada, e Rudi logo diz:

- Está-se vendo que é mesmo filho do Xico, não perde uma oportunidade de dar uma estocada, seja em quem for.

O resto da noite é só alegria, no retorno para a cidade de São Paulo, ficamos na estação do metrô de Pinheiros e fomos até perto do Anhangabaú, onde ficava o hotel em que nos hospedávamos. No silêncio do trajeto Ademar ficou impressionado pela tecnologia empregada e na extensão dos túneis percorridos.

No dia seguinte recebemos uma ligação de amigos de Maués, das ações que o Prefeito Carlos Esteves estava implementando  inclusive com invasão de propriedades nossa, sem mandado judicial e sem causa real.

Abreviamos nosso retorno, e no vôo de volta Ademar me confidenciou ter gostado mais do corre-corre de São Paulo do que das belezas naturais do Rio.

Já em Maués, o clima era hostil, e isto preocupou a Auxiliadora que unilateralmente decidiu ir morar em Manaus, com o argumento do estudo de nossos filhos.

 

A SEPARAÇÃO – A IDA PARA MANAUS

Esta decisão pegou-me despreparado, havíamos adquirido um apartamento em 1989, e que o Sidney utilizou enquanto fez Faculdade de Comunicação e depois lá residiram Carlos Roberto e Celeste, o Miguel Gonçalves e por final o Gaudêncio Andrade. O Imóvel precisava ser recuperado para receber a família, juntamos nossos esforços, e com o auxilio do Benedito Cardoso fazemos a reforma, e no inicio de março Auxiliadora, Sharon e Ademar se mudam para Manaus, fico em Maués, tocando a serraria e na expectativa de uma oportunidade de venda, aluguel e ou outra atividade.

Como em 1983, havia feito amizade com o Professor Orígenes Martins quando Secretário de Educação do Estado, e que valorizou o interior, tanto que produzi carteiras escolares sob sua encomenda e na primeira compra direta dos pequenos fabricantes do interior do estado, como era o caso de nós em Maués, e, atendendo todo o baixo amazonas, consegui com ele matricular Ademar e Sharon no CIEC – Centro Integrado de Educação Cristus, uma das melhores escolas de Manaus até hoje.

Para iniciar esta mudança, preparei 50 (Cincoenta) metros cúbicos de madeira serrada e mais 300 Carteira escolares para venda em Manaus, coloquei tudo dentro do Barco Ademar IIº (A Barco tem o seu nome) e fomos para Manaus, e esta viagem desde o inicio mostrou ser especial e diferenciada, na proa do Barco estava levando 10 Cadeiras altas e uma mesa com 5 metros de cumprimento que o Amin Azize (Irmão do político Omar Azize Vice Prefeito de Manaus por dois mandatos e Vice Governador do Estado) havia encomendado para a mãe dele, e na viagem íamos dar acabamento. Ia também à viagem como Comandante o Sarkis Borges (Amigo de longa data) sua então esposa professora Ocialande, o José Amarildo Abuab Correa, o Nazaré Negreiros e o Eduardo como  tripulante além do Ademarzinho e de mim.

Mais ou menos duas horas depois que havíamos saído, perto da Luzéa, o Ademar apontou para o rio e gritou:

- Ei pai, pai, tem um homem caído no rio e acenando para nós.

 Sem sequer olhar respondi:

- Pare com brincadeiras Ademar, na viagem a gente não pode brincar que esta pode ser a diferença.

- Mas é verdade, olhe para lá, lá está ele.

Virei-me e olhei, a uns 200 metros do barco realmente havia um homem dentro da água e acenava para o barco, chamei o Sarkis e apontei, ele imediatamente reduziu a força do motor e começou a retornar gritando:

- É o Abuab ele deve ter caído do barco.

Fui até a lateral do barco sem acreditar que poderia ser um tripulante. Ninguém havia notado nada, e era mesmo, depois ele nos contou que foi dar a volta na carga, e ao se segurar numa carteira esta estava solta e ambos caíram no rio.

Foi o assunto do resto do dia. À noite enquanto contávamos história sentada na proa do Barco, sob a atenção do Ademar, a Ocilande apareceu com uma Caipirinha, que logo nos alegrou e começamos a contar piadas e histórias engraçadas. Enquanto a Ocilande foi fritar jaraqui para a janta, continuamos com as histórias e o Ademar chegava a segurar a barriga de tanto rir. Foi uma noite gostosa.

De manhã chegamos a Itacoatiara, falei para o Ademar ficar a bordo, enquanto ia à Capitania e no Ibama para fazer o registro e legalização da viagem.

Este assunto levou quase a manhã inteira, quando retornei ao barco, logo estranhei o Ademar estar de roupa trocada e com o cabelo molhado e muito esquivo, ele que nunca foi muito chegado num banho, mas na pressa de sair não dei muita bola.

Já em viagem, perto da entrada do Paraná da Eva, o Sarkis se achou na obrigação de contar que quando saí do barco o Ademar foi pescar e ficou na lateral do barco (Isto em frente à cidade de Itacoatiara onde a correnteza do Rio Amazonas é muito forte e estávamos ao lado de um pedral), quando um peixe mordeu a isca puxou-o a frente, ele encostado na parede e pisando no estribo lateral, caiu nas águas turvas do amazonas, quando os tripulantes correram para socorre-lo, ele mais rápido do que é imaginável já estava subindo pelo verdugo da embarcação, para alivio de todos.

Neste mesmo dia a noite chegamos a Manaus e encostamos no Igarapé do Educandos perto da CIMEX ( Usina de pau rosa do grupo Benchimol) como era tarde dormimos todos a bordo.

No dia seguinte cedo o levei até o apartamento no Tocantins e comecei a descarregar o barco e comprar o material para a reforma do apartamento.

Foi uma mudança radical em nossas vidas. Até ali tínhamos sempre vivido juntos e ligados, a partir de então fiquei em Maués, passava no máximo uma semana em Manaus por mês, nossa convivência ficou difícil e Ademar e  Sharon foram os que mais sentiram e sofreram com esta situação.

Quando chegava, sempre procurava levar uma fruta, ou então uma carne gorda para fazer um churrasco para eles, mas a vida não era mais a mesma e todos sentíamos isto.

Esta separação, eles em Manaus eu em Maués também influenciou nos negócios, que começaram a ir de mal a pior, a ponto de ficar muitas vezes na situação de “vender o almoço para comprar a janta”.

A maioria destas situações eles não souberam e nem tampouco deixaram de estudar em Escolas particulares. Como a Sharon perdeu o segundo ano no CIEC, penalizei-a matriculando em escola pública, antes disso, contudo, numa situação extrema, tive que vender o Jipe que tinha há muitos anos para poder fazer frente aos compromissos assumidos. (Recomprei o Jipe no ano de 2003 e permanece comigo até hoje e o Ademar estava começando a recupera-lo – era o seu xodó).

Neste período busquei inúmeras alternativas, estas tentativas pareciam ser fadadas ao fracasso, vendi madeira para o exterior o navio atrasou e a multa por atraso acabou com o lucro, transportei ranchos do programa Direito à Vida e tenho parte do frete para receber até hoje, vendi carteiras escolares para o estado e levei oito meses para receber e a inflação era de 80% ao mês, quando recebi, fiquei devendo, aluguei a serraria não me pagaram, levei madeira serrada para os depósitos de Manaus e não recebi, estava difícil a situação nem por isso esmoreci, encontrava a força no carinho e no amor de Sharon e Ademar, e por eles suplantei todos os obstáculos que surgiram e continuo na luta até hoje.

Estas dificuldades fizeram que a convivência com meus filhos diminuísse. Os custos das minhas idas para Manaus pesavam nas necessidades deles, espacei estas visitas para que nada de material faltasse a eles, nossos sentimentos iríamos administrar pela vida.

Ademar terminou a 8ª série com méritos no CIEC e só cheguei à noite na cerimônia. Como não havia acompanhado suas apresentações teatrais, sua inclinação musical e artística, tinha sido um pai ausente, senti-me um peixe fora dágua, mas foi ele mais uma vez que levantou a moral, em plena cerimônia, ao receber o diploma gritou:

- Valeu meu pai, valeu minha mãe!

Não apenas nós, mas a maioria dos pais presentes ficou emocionada com esta demonstração de carinho dele e que quebrou a monotonia da cerimônia.

De seus amigos de Manaus o que tive maior contato foi com o James, que era vizinho no Conjunto Tocantins, outros só de vista ou de cumprimentar.

Numa destas visitas, estávamos no Hiper CO entre a Avenida Djalma Batista e Constantino Nery, quando vendo um Skate, pegou-o com tanto carinho que logo entendi que ele queria um, naquele momento não tive como comprar, e a noite ele com mais alguns amigos ficaram andando de Skate em frente ao apartamento, como que para mostrar que ele já sabia andar, mais ou menos um mês depois, noutra de minhas visitas, convidei-o para ir ao centro e lá entramos numa loja e ele escolheu o Skate que achou melhor. Era azul e com motivos psicodélicos.

Nesta noite Auxiliadora e Eu tivemos que chama-lo das ruas senão ele ficaria a noite toda brincando, quando voltou a calça estava rasgada, o tênis todo esfolado, o cotovelo em carne viva, porém foram poucas ás vezes em que o vi tão feliz.

Uma semana depois uma ligação apressada da Dona Gracielle e da Auxiliadora, a Sharon foi experimentar o Skate, torceu o pé e quebrou o tornozelo. Viajei no mesmo dia e depois de enfrentar o Barco até Itacoatiara, depois de Táxi até Manaus, fui logo chegando e levando a Sharon para a Clinica Fleming onde engessaram o pé com uma bota de Gesso e um mês de estaleiro para ela.

Noutra oportunidade levei uma carga de madeira para Santarém-PA, e esta madeira já aparelhada destinava-se a exportação, como todos no interior do estado nunca conseguimos estar 100% legal, nesta estava vencida a vistoria do Barco Ademar II. Mesmo assim com meus fiéis escudeiros Sarkis, Mundico e Abuab fizemos a viagem sem nenhum percalço, porém em toda a cidade que passávamos, telefonava para dizer como estava a viagem, a preocupação do Ademarzinho era algo que surpreendia...

 

VIAGEM AO ACRE

Era o principio de Novembro, aprontei uma carga de madeira e um lote de Mesa e Cadeira de Professor para SEDUC em Manaus, via amigo Amin Aziz. Acompanhei a mercadoria pelo primeiro Barco PP do Paulo Negreiros e que era o antigo Bom Socorro, saltei em Itacoatiara, peguei um Táxi e cheguei em Manaus por volta de 8:00 hrs da manhã.

Fui ao Escritório do Amin, acertei os detalhes do desembarque e fui informado que dentro de dez dias estaria recebendo a fatura.

Em casa a Sharon e o Ademar insistiam em querer visitar o Tio Carlos Roberto e Celeste, que juntamente com seus filhos Carla, Junior e Bibi residiam na cidade Acreana de Sena Madureira.

Depois de muito pensar, achei que valeria a pena, pois já era hora de eles adquirirem responsabilidades, no que não fui muito feliz pelos resultados que apresentaram.

Como a grana ainda não havia saído, recorri ao grande amigo de todas as horas “STIVE” – um guianês descendente de indianos de nome Munaf Rohoman Ramzan que me emprestou o valor das passagens e lá foram eles.

Ao subir no avião uma olhada de relance do Ademar, uma lágrima da Sharon e o soluçar da Auxiliadora.

Retornei aos meus afazeres em Maués, e dias depois uma ligação urgente da Dona Gracielle, me informava que naquele momento o Ademar estava na sala de cirurgia do Hospital de Sena, sofrendo uma intervenção no dedo e tendão da mão.

Preocupado liguei para a casa do Carlos e quem atendeu foi a Celeste que nervosa tentou explicar:

- Xico, o Ademarzinho estava jogando futebol e ficou pendurado na trave, mas já está tudo bem.

Fiquei cismado, como “ ficou dependurado na trave” pensei comigo.

Á noite o Carlos ligou contando o acontecido – estavam jogando futebol e o Ademar pela sua pouca habilidade e muita altura (Já estava com quase 1:80 m) foi para o gol, ao dependurar-se na trave para fazer alguns exercícios, não viu os ganchos que prendem a rede, e se soltou, a mão prendeu num destes ganchos por debaixo do tendão rasgando a carne, nervos e pele e com todo seu peso ficou preso apenas no tendão e parte do dedão.

No hospital o próprio médico achou difícil ele recuperar todos os movimentos e que teria grande chance de ficar com parte da mão atrofiada.

Quinze dias depois o surpreendi com o rosto crispado de dor, fazendo exercícios e movimentos com o dedo e a palma da mão, virando-se me disse:

- Papai eu garanto que esta mão retoma todos os seus movimentos, só não quero que a cicatriz desapareça segunda as “cunhãs” elas dão um charme todo especial. E o senhor sabe, este garotão não perdoa, papa... E saiu rindo da sala.

 

O VIOLÃO

Perto do Natal de 2001, o Ademar me ligou e perguntou:

- Como estão as coisas papai, quando vens a Manaus.

-Ainda não sei, estamos com muito trabalho, mas passo o Natal com vocês. (Nesta época assessorava o Prefeito Sidney Leite na elaboração dos projetos de captação de recursos para o município de Maués).

- Não, sabes o que é, eu tô querendo aprender a tocar violão. Disse ele.

Um rápido filme passou por minha mente, apesar de ter parentesco com o Autor do clássico “ Noite Feliz” de possuir tios músicos e uma irmã que havia sido acordeonista, eu nunca tive queda para a música apesar dos esforços e da insistência. O máximo que consegui foi decorar o repente”Peguei sortei chacoalhei larguei, tornei pegar chacoalhar e largar” do folclore caiçara de meu estado natal e adaptado pelos imigrantes alemães. Lhe respondi:

- Vamos ver meu filho, não garanto, mas vamos ver...

Neste mesmo dia liguei para o amigo Sivaldo Baraúna de Manaus, contei-lhe a história e pedi para que visse o preço de um violão. Menos de duas horas depois ele me ligou:

- Já estou com o Violão e uma caixa de som com microfone, eu deixo aonde.

- Pôrra cara, não sei nem quanto custou, era só para ver o preço. Respondi-lhe.

- Que nada eu te conheço, se não quisesse dar, você não pediria para ver o preço, foi barato, não esquenta, depois a gente acerta. Retrucou ele.

Sivaldo foi no mesmo dia deixar no Conjunto Tocantins onde Ademar  morava os aparelhos.

Á noite fui suprendido por um telefonema do Ademar gritando de alegria e da própria Sharon que compartilhava de sua alegria.

Menos de uma semana por telefone queria que eu ouvisse o que já sabia tocar. Aprendeu muito rápido e seu dedo e mão machucada no Acre tinham recuperado toda elasticidade e em nada prejudicavam seu desempenho.

Fiquei sabendo depois que era comum nos finais de semana ela mais seus amigos irem á Ponta Negra onde ele ficava tocando violão até altas horas da noite.

E, mesmo em Maués nas suas visitas ocasionais trazia o violão e ficazva horas tocando com sua turma de amigos.

Segundo o político, filosofo autodidata e gozador emérito do Amazonas José Maria Muniz (Ex Prefeito de Iranduba) o homem tem três maneiras de fazer sucesso com as mulheres – a primeira é ter muito dinheiro;

    - a segunda ser músico;

    - a terceira ser bonito, muito bonito.

Ademar tinha as duas últimas e sabia disso.

 

 

O 2º GRAU – UMA VIA CRUCIS

O primeiro ano do segundo grau fez no CIEC, ficou devendo três matérias e seria reprovado, matriculei-o no Objetivo através de uma amiga, filha do saudoso irmão Antonio Albuquerque onde fez o segundo ano, por motivos financeiros, saiu e foi terminar o segundo Grau na Escola Estadual Sólon de Lucena, onde sua mãe trabalhava na área administrativa.

Mas a melhor lembrança que tenho deste período de sua vida, encontrei-a quando a Sharon me deu uma redação feita por ele quando ainda estava no Objetivo e a seguir transcrevo, por ser um dos poucos textos que ele nos deixou:

 

““A amizade é uma virtude muito valorizada pelos homens, esta virtude é um dos principais traços da raça humana”.

Desde a infância vivemos com pessoas diferentes, com outros pensamentos e opiniões, que podem até gerar desavenças. Quando estas opiniões se batem, da discussão geralmente inicia uma nova amizade que depende da convivência e pode durar a vida toda. Assim como algumas amizades surgem do nada, parecem ser perfeitas, mas são falsas vã e perigosas.

 

CAMPEÃO DE JIU JITSU

De outra feita, junto com o Ezer (Hoje vereador do PMN) o Belizário, o Abuab e o Rui, fomos ao igarapé do Maçarico, no alto apoquitaua, antes da vila da Liberdade buscar uma madeira do Brandão e como a carga não estava pronta, demoramos bem mais do que o previsto.Quando cheguei na cidade o Mazzini e o Sávio (Tios dele) estavam preocupados com a demora e por que ele havia ligado insistemente para saber noticias minha.

Um dia, ele ligou-me logo cedo, estranhei por que não era hábito ele ligar e sim eu ligar para eles, começa com uma conversa sem muito sentido até chegar ao ponto principal:

- Sabe o que é pai, eu queria saber se o senhor tem algo contra o Jiu Jitsu, a mãe diz que é coisa de marginal. Perguntou-me ele.

Respondi-lhe dizendo que não, que toda a pratica de esporte era salutar, e, como ele não tinha queda para o futebol e o vôlei e basquete não o atraíam nada como praticar um esporte, qualquer um desde que em lugar digno e sério.

- Ta jóia, só que tem um probleminha, o quimono custa R$ 120,00 (Cento e vinte reais), dá para comprar? Sem quimono não dá para praticar e a mensalidade é R$ 15,00 (Quinze Reais). Pensando bem pai, vamos deixar pra lá. Disse-me ele, e eu senti tristeza em sua voz, ele sabia que a coisa estava braba, estávamos até com a prestação do apartamento atrasada.

- Que nada garoto, a gente dá um jeito. Vá amanhã mesmo se matricular, que eu vou mandar o dinheiro pra ti.

Depois de ter desligado o telefone, fiquei pensando em como resolver esta situação tinha uns créditos para receber, estes, porém só entrariam no final do mês e era apenas a primeira dezena que estávamos.

No dia seguinte a Claire e o Aderbal haviam me convidado para almoçar, depois de um almoço saboroso, quando estávamos sós nós, o Cássio e a Anelise juntamente com empregadas foram pra cozinha, pedi ao casal:

- Pessoal é até constrangedor, mas estou com um problema e preciso resolver com urgência, e gostaria de saber se posso contar com vocês mais uma vez.

Expliquei parte do problema, omiti a situação do Jiu Jitsu do Ademar e a Claire já foi levantando e dando-me um cheque do Banco do Brasil. Levantei-me e fui direto ao Banco para fazer a transferência. (Na verdade sequer me recordo se devolvi este dinheiro).

Quando o Ademar foi Vice Campeão amazonense de Jiu Jitsu, falei ao casal que eles também tiveram participação nesta vitória. Um mês depois foi a participação do Sidney que nesta época era Presidente do IDAM e Secretário de Estado da Produção Rural, que propiciou sua ida a Fortaleza onde Ademarzinho sagrou-se Vice-Campeão Norte Nordeste da modalidade e deixou a todos orgulhoso.

Parte do segundo grau Ademar fez no Objetivo, mas acabou concluindo o curso na mesma escola pública da Sharon e onde a mãe trabalhava o Colégio Estadual Sólon de Lucena.

No ano da conclusão do segundo grau, prestou Vestibular na Faculdade Objetivo, hoje Uninorte e passou em Ciências da Saúde, na universidade pública havia tentado medicina, mas por poucos pontos ficou de fora.

Terminado o segundo grau, fez vários cursos de informática.

 

 A FACULDADE

Em 2002, Ademar e Sharon se prepararam para o vestibular da UFAM, paguei o cursinho e segundo eles estavam afinados, coincidiu a data com a Festa do Guaraná de Maués.

Na véspera, recebi como visita em minha casa o Prefeito de Barreirinha Gilvan Seixas e a esposa, como fazia algum tempo que não conversávamos, ficamos bebendo até tarde da noite. Como o dia seguinte era domingo, não me preocupei em acordar cedo, por volta de nove horas, tomando chimarrão na serraria recebo uma ligação da Auxiliadora dizendo que nossos dois filhos haviam dormido e perdido o horário para o vestibular. Fiquei enraivecido, falei absurdos no telefone para os dois, me decepcionei demais com esta irresponsabilidade, disse coisas que hoje me arrependo, mas que naquele momento foram à expressão de minha decepção, da não validade de todos os esforços feitos por eles. A Sharon chorando pediu desculpas e perdão o Ademar como sempre nada disse, mas sei e sinto que doeu fundo nele o que falei. Acabou a festa para mim, constrangido pedi desculpas ao casal, eles me consolaram, contando-me episódios de seus respectivos filhos, acalmei-me, mas não fiquei conformado.

 

A ZONA LESTE

Perdido o vestibular da UFAM, ambos procuraram faculdades particularidades e ambos passaram a Sharon na Unip e no Ciec, para Odontologia e o ADEMAR na Uninorte para Ciências da Saúde.

Neste meio tempo, por algum motivo que até hoje desconheço, Ademarzinho deixou o apartamento da mãe e foi morar com sua namorada Jackie, num núcleo da Cidade Nova. Conversando ele falou que topava montar um depósito de madeira e móveis na Zona Leste, queria ter seu próprio dinheiro, mesmo por que a mesada que dava era de apenas R$ 300,00 (Trezentos reais) mensais para os dois (Sharon e Ademar).

Depois de muito procurar com o auxilio do Mundico – Raimundo Quintino dos Santos filho, amigo de Maués, e que durante muitos anos havia sido meu madeireiro. Encontramos um ponto no bairro de Cidade de Deus, de propriedade do Kelly e onde havia funcionado um bar e que numa semana adaptamos com o auxilio do Periquito para que funcionasse como um embrião de Loja de material de construção.

Eu possuía uma Camionete Chevrolet S-10 á gasolina e que ficou com ele, adaptamos o fundo das instalações existentes para uma moradia e onde funcionou a lanchonete para o Periquito (Elias de Souza - natural de Nova Olinda do Norte e que havia conhecido trabalhando como meu amigo-irmão Filaderson).

Só que logo houve um problema, o gosto pela velocidade, a distancia da Zona Leste até a Avenida Joaquim Nabuco onde funciona a Uninorte, a despesa com a gasolina, ficou difícil manter a situação e as condições do carro.

Na primeira visita que fiz após a instalação (mais ou menos quinze dias) o carro estavam os amortecedores e a direção estourados pelo peso, velocidade e descuido do Ademar. Como tinha muita necessidade do carro quando ia a Manaus, voltei a ficar com ele e o mantive encostado quando não estava na capital no estacionamento do apartamento, e não mais com ele.

Ademar para estudar pegava dois ônibus, saía às 16h00min horas, chegava na faculdade por volta das 19:00 horas, perdendo sempre parte do primeiro tempo, e, saindo ás 22:00 horas chegava sempre depois da meia noite. Um dia numa carona com o Sivaldo Baraúna, este com seu jeito espontâneo e sincero disse:

- Compre uma moto, é barato e fica mais fácil para ele estudar.

Quando lá chegamos, verifiquei que o movimento começava a ficar bom, e que precisava mandar mais madeira e móveis populares para ele vender. Fechamos o caixa, havia uma boa sobra, e perguntei-lhe sobre a idéia do Sivaldo da moto. Ele topou na hora, pedi para que ele procurasse uma concessionária e fizesse a compra.

 

A AQUISIÇÃO DA MOTO

Naquela mesma noite falei para a Sharon, esta disse que a mãe ficaria louca de brava com isso, mas não foi o que aconteceu, a Auxiliadora aceitou tranquilamente o fato.

Com a moto tudo ficou mais fáceil para ele, novas namoradas, apesar da marcação cerrada da Jackie e tirando a chuva e um resfriado eterno, melhorou seu desempenho na escola e ele circulava para cima e para baixo, chegou a vender madeira para o depósito da Schincariol no centro, mesmo estando estabelecido na Zona Leste.

E com o resultado das vendas ele pagava as prestações. Foi um dos poucos bens em nome dele.

 

 

O PRIMEIRO ACIDENTE

Aproximadamente 10:00 Horas da noite toca meu telefone. Sobressaltado vi no visor ser ele me ligando, senti que algo tinha acontecido, com a voz meio entrecortada, disse-me:

  • Pai caí de moto, mas está tudo bem.
  • Como foi, como estás, onde te machucastes, e a moto está muito quebrada? Respondi-lhe fazendo estas perguntas.

                         Ele mês respondeu:

  • A moto está quase sem nenhum aranhão, só que ela caiu sobre meu tornozelo e está doendo muito.
  • Onde estás? Deixe-me ver quem pode ir aí te socorrer, Cadê a Sharon ou a tua mãe? Perguntei nervoso.
  • Não sei, estou sem crédito no celular, mas vou dar um jeito, podes deixar papai. Respondeu-me ele, porém senti em sua voz o esforço que fazia para falar em razão da dor que deveria estar sentindo.

  Nervoso liguei para a Sharon, que me disse que já estava indo para o local, que era ao lado do colégio La Salle, no bairro Dom Pedro, e que um colega dele havia ligado, pedi a ela que assim que lá chegasse me mantivesse informado. Imediatamente liguei para meu amigo Zé Milton, que já estava recolhido em sua casa e pedi-lhe que fosse até o local porque tinha a sensação que podia ser grave.

Nada se compara a apreensão, a angústia de esperar uma noticia sem nada poder fazer, estava nervoso e este nervosismo passou para minhas ações, a Gleice preocupada pedia para que eu me acalmasse que tudo estava bem, mas sentia que ela também estava apreensiva.

Toca o telefone, é o Zé Milton dizendo que o Ademar já havia sido medicado e que tinha fraturado o tornozelo do pé e que estava engessado, o resto era susto.

Tranquilo liguei para a Sharon e reforcei que qualquer coisa, a qualquer hora era para ela me ligar.

 

O TRABALHO COM OS TIOS

Ademar ficou na Zona Leste até Julho de 2004, com o inicio da campanha política em Maués, onde o Sidney era candidato à reeleição, todos juntamos nossos esforços nesta empreitada, como havia um volume considerável de obras em andamento, optamos em fornecer madeiras para estas obras em detrimento ao fornecimento para o “Atacadinho” este era o nome do depósito de madeiras do Ademar na cidade de Deus.

Com isto, o “Cabeludo” como ele era conhecido por todos no bairro, passou por dificuldades até optar por fechar o estabelecimento por falta de material para vender.

Como estava empenhado em outras atividades concordei com a intenção de passado este período turbulento retornarmos com a atividade. Alugamos um apartamento no Conjunto Ayapuá para que Sharon e Ademar lá morassem e deixassem a mãe mais a vontade.

Na segunda semana, Ademar foi trabalhar com os Tios Sebila e Lauschner no Restaurante Come-Bem, onde com seu jeito logo os conquistou passando a ser o principal auxiliar da Tia, principalmente por ser motorista e pasmem – levantar cedo.

Como garçom no restaurante era um tanto espalhafatoso, porém simpático aos extremos e logo teve uma clientela preferencial.

 

O CONSURSO DA SEMSA

Sabia que a atividade com os tios era passageira, apesar de gostar muito deles e expor isto para mim, queria mais, muito mais.

Com a abertura do Concurso da Semsa – Secretaria Municipal de Saúde de Manaus, logo se inscreveu e feita às provas foi aprovado, enquanto esperava ser chamado, ligou para mim e expôs a opinião de que deveria passar uma temporada em Maués para aprender as atividades de meu negócio, retomar antigas amizades e a convivência que se esvazia pela distancia com todos por aqui.

Num almoço com o Lauschner, este me disse que também era intenção do Ademar, dentro das possibilidades entrar na carreira política e que havia se aconselhado inúmeras vezes com ele sobre isso, mas tinha uma restrição em abordar este assunto comigo.

Fiquei sabendo da intenção e conversei com ele colocando que a responsabilidade de representar a uma parcela da população e trabalhar por todos é quase que um destino e que são poucos os que são verdadeiros e quase sacerdotes da causa.

Deixei as portas abertas e fiz ver de que não basta apenas a vontade, é necessário trabalhar, ser exemplo e ajudar as pessoas.

 

O RETORNO Á MAUES

Em Manaus, ele estava trabalhando no Restaurante Come Bem dos tios Luiz e Sibila, quando apareceu a oportunidade de fazer o Concurso para a SEMSA – Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. Tendo sido aprovado, enquanto aguardava ser chamada e que poderia levar até seis meses, perguntou-me se não poderia vir a Maués para conhecer os trabalhos da madeireira, rever amigos e morar novamente comigo.

Achei ótima a idéia, por que sempre esperei que um deles quisesse trabalhar comigo.

Assim  que chegou, experimentou de tudo, mas o que mais gostava e se realizava era dirigir o caminhão Chevrolet. Adorava ir para a estrada nos ramais buscar madeira, almoçar no mato e comandar o pessoal. Chegava a noite, cansado, esfolado, com fome, mas feliz por ter tido um grande dia.

Mesmo cansado ainda encontrava tempo para dar uma volta de moto e paquerar. (Havia deixado a namorada Jackie em Manaus e havia dito que não sentia mais o mesmo por ela).

Todo o dia pegava sua irmã Yanna (de meu segundo casamento) e com ela como desculpa saía para encontrar amigas e desfilar de moto pela cidade.

Esta sua dedicação fez com que nós terminássemos a edícula que serviu como sua moradia, com localização e entrada independente.

 

O CONTATO COM A FAMILIA

Esta sua nova vida, mudou seus hábitos, reaproximou-o de seu padrinho Aderbal e de seu avô Guilherme, da mesma maneira que aumentou ainda mais a admiração de seus tios Sergio Mazzini, Sávio e Baía.

Seu grande sentimento era a distância que o Tio Sidney dele mantinha, e, ele me confidenciava que achava que era por que não se utilizava da situação de ser sobrinho do Prefeito, e tampouco havia pedido algo para ele. Mesmo cobrado por seus amigos e colegas, quando de algo necessitava ou doava, era de seu próprio salário e isto fez com que muitos o admirassem.

Ao contrário de seus amigos, Ademar sabia de seu lugar, de sua situação e nunca quis ficar prisioneiro de algum favor.

Tornou-se o melhor amigo da prima Anelise e esta sua confidente, muitas vezes até cupido, e ela orgulhosa nos dizia que estava convivendo com um Ademarzinho que ela desconhecia. Amigo, solicito e solidário.Esta por sua vez ficava lisonjeada e deixava sua amigas enciumadas por esta proximidade.

Manteve o hábito de ligar diariamente para sua mãe e irmã que continuaram morando em Manaus, ás vezes ficava estressado, triste, outras alegres e sorridente.

 

 

A NAMORADA

Um dia, no final da tarde, estava regando as plantas de casa, quando ele começou a rodear, fazer indagações, querer ajudar a mexer com as plantas, algo de que nunca havia feito. Logo senti que ele queria me falar algo, porem estava constrangido, chamei-o e pedi para que segurasse o vaso quando lhe perguntei:

- E aí, o que tens para me dizer?

- Sabe pai, é que estou paquerando a Gabi filha da tia Elô (Elorides é Secretária Municipal de Saúde e dileta amiga da família) e ela quer que eu vá falar com sua mãe. Nunca fiz isso e estou temeroso. -respondeu-me ele.

- Que nada, sejas homem, se tu gostas da menina, vá lá enfrente a Elô e diga o que queres. Na vida é melhor enfrentar as coisas logo e saber do resultado do que ficar aguardando sem saber o que vai acontecer. Disse a ele.

À noite no quarto, comentei com minha esposa Gleiciane do nervosismo do Ademar e esta me disse já saber de tudo, mas que ambos tinham reservas para comentar comigo, ainda conversava-mos quando o barulho da moto, o abrir do portão e a voz forte do Ademar nos chamando.

Quando descemos, estava assobiando e foi logo dizendo:

- Enfrentei a fera e deu tudo certo. Estou autorizado a namorar e deste jeito nunca havia feito, vamos ver como vai ser. Disse-nos ele.

- Está certo, saiba que tens nosso apoio, só te comportas a Gabi não é como estas tantas com quem tu tens andado. Falei

- Eu sei pai, e serei o último a querer lhe criar qualquer problema.

No dia seguinte a surpresa de ás 06h30min horas da manhã quando fui para a Serraria já o encontrei e ele foi logo dizendo:

- Madruguei, e vou tomar um chimarrão com o senhor. A partir de agora preciso ser um cara responsável.

 Surpreso pelo fato, nada comentei vendo a alegria estampada em seu rosto e a vontade que havia nele.

 

O TRABALHO NA SERRARIA

 

Sua vinda e seu trabalho muito nos ajudaram, primeiro pela iniciativa em puxar o trabalho a qualquer hora, da amizade que fez com funcionários e fornecedores a ponto de alguns madeireiros esperarem eu sair para negociar direto com ele, e ele com seu jeito gaiato a todos conquistava.

O RETORNO A MANAUS

Nisso a SEMSA –Secretaria municipal de Saúde de Manaus, fez chamada para apresentação de documentos dos aprovados, Ademar preparou-se para a viagem. Havíamos combinado que ele já veria como iriam funcionar seus horários para retomar a Faculdade e voltar a viver em Manaus.

Senti nele a luta entre o futuro (Faculdade) e o presente (Sua vontade de ficar em Maués), mas nada falei, a decisão era dele, somente dele.

 

 

A SEMANA DO ACIDENTE

Na Sexta Feira dia 27 de janeiro decidi que iria para Manaus de qualquer jeito, pois era nossa intenção dar uma descansada, o ano de 2005 não havia sido fácil. Estava estressado. Depois do almoço chamei o Max (Gerente da serraria) e o Ademar e expliquei a situação de como a empresa estava e que ela ficaria sob os cuidados do Ademar e que tudo deveria ser me contatado.

No sábado já em Manaus liguei para o Zé Milton e ele arrumou um Carro Gol da Bilcar para o final de semana até terça feira por R$ 170,00. Pagamos e fomos Gleice, Yana, Scarlet e eu para Manacapuru na casa dos pais dela e lá passamos o final de semana.

Na segunda de retornamos à Manaus para o fechamento de alguns assuntos, aguardava o recebimento de uma fatura da empresa para poder viajar, nossa intenção era ir á Fortaleza-CE, mas isto não aconteceu no transcorrer da semana, tanto que na quinta feira durante o dia decidi retornar para Maués na sexta ver se conseguia agilizar este recebimento. Á noite, por volta de sete horas ele me liga, conta como havia sido o dia, alegre me conta que já tinha faturado o dinheiro para o pagamento do pessoal na semana, o que não é comum nesta época do ano, perguntei-lhe se iria sair, e ele disse-me que somente iria jantar no Juraci (Restaurante Tambaqui) e retornaria por que estava cansado e no dia seguinte iria buscar umas pranchas com o caminhão no mato distante aproximadamente 10 Km, por isso deveria sair cedo, trocamos algumas amabilidades, afinal ele era muito carinhoso, antes de desligar ele perguntou-me:

- Ei pai, eu vou colocar o dinheiro dentro de uma meia e colocar no fundo de uma gaveta. O que o senhor acha?

- Que nada rapaz, não tem problema nenhum podes ficar com ele, afinal todos te conhecem em Maués e é uma cidade pacata. Respondi-lhe.

Ele gargalhou sua gargalhada característica e de imitação ao Avô Gruber e desligou.

 Gleice e eu saímos para comer algo leve e decidi conhecer o Hadib’s no parque das laranjeiras que já funcionava em contraponto a inauguração da loja do Habib’s no antigo Marreiros.

Já havia pedido a conta quando tocou o Celular, pelo visor vi ser o Ricardinho (Assessor do Prefeito Sidney Leite- Tio do Ademar) com voz pausada ele falou:

- Xico, é o seguinte o Ademar caiu de moto, está sendo medicado, mas está desacordado...

Neste momento senti algo apertar meu peito, a voz engasgar, milhões de luzes piscaram em minha cabeça, pensamentos a mil, ainda consegui perguntar:

- Ele está muito machucado? Bateu a cabeça... o que foi que aconteceu?

- Não sei. Respondeu Ricardinho completando: - Estou no hospital, ele está sendo medicado,

A Gleice, pálida, num fio de voz disse-me:

-Ligue para a Marilda, ela pode nos dizer a gravidade...

Trêmulo liguei para o telefone da Marilda que recém havia chegado em casa de sua caminhada diária e ela prontamente se dispôs a ir no hospital e nos manter informados.

Havia alguma coisa errada, a sensação era de abandono e tristeza, a angustia e agonia tomava conta de nós, liguei para o Aderbal e a Claire, acordando-os e pedindo para dar um pulo no hospital para saber de noticias e dar conforto ao filhão. Ainda não sabia da gravidade.

Pedi a conta, levantamos da mesa fomos até o carro, não estava em condições de dirigir, a Gleice pegou o volante, o telefone não tocava, a ansiedade aumentava sôfrego, liguei para o Celular dele, quem atendeu foi o Lobão, que disse estar no hospital e que tinham-no levado para tirar radiografia. Disse ainda na sua espontaneidade característica que a situação era grave. Voltei a ligar no telefone da Marilda, ela não atendeu, liguei para o Aderbal ele já estava no hospital com a Claire e disse que a situação era difícil. Liga-me o Sidney dizendo estar tentando trazer um avião que o estado era crítico, o desespero pela impossibilidade de ajudá-lo toma conta de nós, a Gleice sugere que a gente vá até a Casa do Juscelino (Piloto amigo nosso), neste meio tempo acordo o Comandante Zanela ( Piloto dos aviões da Parintins Táxi Aéreo) e suplico para que ele decole e vá buscar meu filho em Maués para tentar salva-lo, a cada negativa um peso no peito, acordamos o Juscelino o avião dele está no Aeroclube e delá ele não pode decolar, não o autorizam, ele tenta outras maneiras, lembra-se dum hidroavião da Policia Federal, ele liga para o piloto, toca o meu telefone, é a noticia que jamais esperava ouvir – Ademarzinho acaba de morrer...

            ‘O mundo desaba meus olhos não mais enxergam, a respiração fica difícil, um vazio extremo toma parte de mim, tento falar e não consigo, tento andar e não consigo, tento chorar e não consigo, apenas sinto a mais lancinante das dores, o rasgar das carnes, o desespero da perda, o silêncio da morte.

Amparado pela Gleicy, não sei e não sinto para onde me levam, depois reconheço estar no apartamento já com a presença do Zé Milton e do Sivaldo, e eles falam, não os escuto, apenas sinto o vazio... E este dói. Ah como dói...

Levam-me para o quarto, tento dormir, não consigo, os soluços e o choro descontrolado me torturam, sinto não ter mais liquido para a quantidade de lágrimas derramadas e peço por Deus, para que o receba em seus braços e nos dê  a força que parecia fugir a todo instante.

Minha esposa Gleicy traz a água e diz:

- Tens que ser forte, nosso garoto se foi, mas a vida deve e vai continuar.

Nada respondi. Mas senti a força de suas palavras por que a vontade que tinha era de ir junto com ele.

Ainda escuro, não eram nem 03h00min horas da madrugada, quando saímos de casa para o Aeroporto Eduardinho, pegar o avião e ir buscar o garoto em Maués.

Antes de 06h00min horas da manhã, já pousamos em Maués, uma pequena multidão nos esperava e fomos direto para casa, enquanto o Aderbal e outros tiravam o caixão do carro entrei na casa e o vi...

Dentro de um esquife, o sorriso maroto, o cabelo revolto, a roupa apertada, parecia dormir...

Deu-me vontade de chamá-lo para levantar, parar com esta funesta brincadeira, as palavras, porém não saíram, o nó na garganta era terrível e a todo instante me parecia que ele iria abrir os olhos...mas isto não acontecia e eu sabia que jamais aconteceria...

Logo a Claire chega com meus Pais, Dona Anna senta-se ao seu lado pega em sua mão e diz:

- Ademarzinho por que fizestes isto com meu Chiquinho, era para um de nós estarmos aí, nunca você. Abraça-me, não chora e nem soluça, mas como filho, sei que está triste como nunca esteve, e como mãe, preocupa-se comigo ao invés de expor sua dor.

Meu Pai, o Vovô Gruba como Ademar o chamava, soluça baixinho e acaricia-lhe o cabelo, puxa-o um pouco como se fosse para despertá-lo, balbucia:

- Eu que estou velho deveria estar no teu lugar e você levando o nome dos Gruber para frente, a vida é injusta, muito injusta...

Chamam-me, é a Marilda e a Claudinha que preocupadas pedem para eu descansar um pouco, medem minha pressão, dão-me água. Subo para o quarto tento descansar, um filme passa pela minha mente, vejo em segundos o bebê, o moleque, o adolescente e finalmente o homem que lá embaixo está dentro de um caixão.

Um momento depois, (na realidade se passam duas horas) escuto vozes, desço e encontro a casa cheia de amigos meus e de Ademar, avisam-me que está na hora de fazer as orações de despedida para que o corpo possa ser levado a Manaus onde será o enterro a pedido da mãe.

Uma multidão nos acompanha até o aeroporto, o Sidney segue conosco no avião, vou abraçado ao caixão, sabendo que estava levando o corpo de meu filho.

Em Manaus, nova multidão e o encontro da mãe com o filho morto. Preferia enfrentar cem bandidos, caminhar centenas de quilômetros, passar fome e frio á ver cena tão triste. O Reencontro que não houve a dor de uma mãe a receber o cadáver da continuidade de seus sonhos, de seu filho, seu querido e único filho...

A irmã gritava:

-Papai isto não é verdade, não é o Ademar que aí está, diga que estou sonhando. E abraçava-me chorando, nós todos chorando...

Começam as visitas, se em Maués quase toda a população foi, em Manaus, amigos nossos, conhecidos, pessoas que tinham relação de amizade ou política com o Sidney, todos lá estavam.

Por volta das 14h00 chegam do Sul onde estava de férias, a namorada Gabriela e Elorides, todos se voltam por que no salão está a ex-namorada de Ademar , Jackie aos prantos.

Gabi entra nos abraça e silenciosamente vai até onde está o corpo de Ademar, pega em suas mãos, lágrimas caem de seus olhos, a mãe a ampara, soluções entrecortados por choro tomam conta do salão da funerária, o silêncio somente é cortado pelo inicio de uma Ave-Maria.

Lauschner ao meu lado, junto com a Sibila não agüentam e caem em um choro convulsivo, Gleicy me abraça, a Claire se junta a Auxiliadora e Sharon, todos choram... É um momento de dor intensa.

Fecham o caixão, colocam-no num carro fúnebre e vamos todos em procissão para o Cemitério do Bairro de São Raimundo no outro lado da cidade.

No carro a Marilda comenta:

-Este garoto era muito querido. No hospital uma multidão, depois todos foram levá-lo até a casa, da casa para o Aeroporto em Maués, aqui a recepção e o velório, agora esta enorme procissão, e veja quanta gente no cemitério. Realmente todos gostavam muito dele.

É, realmente gostavam dele, mas ninguém pode mensurar o amor que tínhamos por ele, e quando nos dizia que a imagem que sempre teríamos dele era de sua beleza, de seu corpo atlético, não pensávamos que ele iria antes do que todos nós.

Foi, mas deixou-nos a saudade, não quis envelhecer, mas todos envelheceremos e sua imagem será sempre do garoto que também a todos amou...

Esteja sempre em paz meu filho...

           

Quando estiver em condições, e passado tanto tempo ainda não tive coragem, escreverei o acidente e alguns momentos e amigos que foram de grande importância nos acontecimentos.

 

Ademar Fernando Gunsch Gruber

 

            XICO

Maués, Amazonas 05 de Dezembro de 2006.



[1]

 

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